quinta-feira, 25 de março de 2010

Assombração

É assim que me sinto, constantemente asssombrado. Ela não existe, pelo menos no meu mundo, este onde vivo. Está num outro com outras verdades, outras certezas, outros seres que, como ela, se calhar, também assombrarão uns e outros.
Não a ouço. Pelo menos claramente como ouço esta gente que fala ao meu lado, que batem com colheres em louças de café que são de todas as bocas. Eu também sou de todas as bocas, mas não faço barulho de colher. Faço barulho de faca. De uma faca intensa e doida que me varre artérias e as trucida, resiste dentro e só eu sei dela. Quando pára, o único barulho que me deixa é este de que falo, de um risinho feliz pela manhã quando acordava com os meus beijos e se aninhava em mim, toda ela em partes de mim mal sabendo do medo profundo que tinha de a perder. Apenas uma coisa me faz suspeitar que ela não seja um fantasma, este com que a comparo, é a imagem que vejo sua. Não está dissipada como nos folclores em que são descritos. Não. É nítida, tanto que se ousasse chegar-lhe a mão tenho como certeza que a sentiria e só não o faço para não a assustar. Não está habituada a que faça mais que lhe sorrir e inclinar ligeiramente a cabeça sempre que a observo. Por isso não lhe tento tocar, para a não assustar. Nem quando se deita comigo, apenas lhe aconchego cobertores e desejo boa noite.