terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Taxa de câmbio

Pediu-me um perfume de presente. Dei.
Pedi-lhe uma noite a três com uma amiga dela belga que está cá de férias e que por acaso se fez a mim. Recusou. Para a próxima respondo o que ela quer ouvir, uma camisola ou uma almofada vermelha que viu não sei onde e que ficava bem no sofá.

domingo, 13 de dezembro de 2009

O que olho, o que vejo

A procissão seguia, de onde me encontrava distinguia rostos mas não expressões, tal como a tua face que ao longo destes anos se tem desvanecido, passou de humana a uma imagem quase sacra daquelas figuras nas capelas mais antigas, uns lábios finos sem grande polpa, uns olhos grandes fixos numa convicção e uma tez pálida, vítrea, sem rubores que podiam ser emprestados por um sangue viciado em emoções. Sentia-me cansado, não porque caminhasse, permanecia parado, mas o burburinho e as orações em redor eram por si só suficientes para separar as pontas da já de si frágil corda que resistia em unir a minha integridade ao mundo dos vivos, sentia-me capaz de num suspiro mais convicto embarcar com a velha senhora para cheirar a brisa do outro lado do rio, prometesse-me ela uma ausência de multidão. Uns quantos desmaios, mãos em aceno, lenços brancos e velas, velas para saudar o senhor. Por momentos doeram-me palmas de mãos, peitos de pés, enfraqueceram-se-me joelhos, não ficou gota de suor retida sob a pele, saí de mim e a mim voltei sem que o corpo tivesse seguido a lado algum, caí de três andares e o solo soube-me bem, tinha uns cacos onde antes sentira dôr e as pernas torpes sem reacção, por cima de mim no andor desafiando a gravidade numa cruz, pregado por estacas que cumpriam os requisitos das estacas que eram, seguia a representação máxima do sofrimento que sentia, convicções, motivos e almas diferentes, sim, mas a dor, essa estava lá toda, numa máscara de olhos largados ao céu, de boca inconformada e sulcos de uma paixão incompreendida.
Sem ti, venha a barca então.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

51

Reduzi a menos de três quartos a lima que tenho no lugar do coração. Deu até agora para pouco mais que uma caipirinha, algo me diz, eu próprio o sei, que devia agora aproveitar esta última porção em algo mais que a espremidela, que o sabor imediato. Estou renitente. O amargo de boca que me deu antes destas revoluções paga agora aromatizando o inócuo, é que a cachaça por si vale nada ou pouco. Embebedo-me à custa do acre, do pobre acre. Perco-lhe o tino e as funções, conduz torpe por caminhos de ninguém, acima de tudo de ninguém, passeio o grau por lábios estéreis que o bebem, sugam ansiando mais que uma casca velha cujo gomo embolorado menos dá que uma réstia distantemente frutada, longinquamente aromático, paupérrimo mesmo nas memórias da árvore de onde foi colhido. Apodreceu por não ter sido usado a tempo, como tudo perecível e eu sem maneira de o conservar.
Um gomo de lima podre no meu peito (olha o que deixaste).

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

I know that diamonds mean money for this art

Vestia uma camisola verde comprida por cima de umas meias azuis e umas botas com um padrão tigre (leopardo, gato maltês, nesse circuito). Perguntou se estava bonita. Disse que parecia uma puta do Intendente. Riu-se satisfeita. Corrigi a minha sentença, acrescentei: das pobres. Pegou na carteirinha barulhenta e bateu com a porta.
Concluo, puta sim, mas das pobres não!

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Ela

Como é que se faz FFW na vida? Só para passar as músicas das quais não gosto à frente e ir directo para a que me apetece ouvir -ainda pensei num Pause mas não, parar não, parar, não mesmo!
Um Rewind, um que me permitisse tirar o volume das palavras que um qualquer demónio pôr na minha boca naquela noite. Rewind era perfeito. Nem pedia mais nada, talvez a cabana.