terça-feira, 28 de junho de 2011

Mas a tua mão, a tua mão ainda a trago comigo

Sempre transportaste a tua mão ao meu rosto quando me beijavas. E eu, ficava ali, suspenso no tempo e no espaço, tomado por uma mão, por uma boca. Eu sei o que é desejo, do puro, selvagem, do feroz. Eu sei o que é a necessidade de depósito, de entrega, de instinto primário. E por muito que nós fôssemos tudo isso, nos momentos em que o início de ti, os teus vários inícios, lábios, dedos, pele, se aproximavam dos meus, língua, rosto, pêlos, eu ia muito além da fusão, ia para lá do palpável, do material. Era realização pura de mim. E não sei ir mais além, nunca mais o voltei a sentir, sei o quanto é, sei como é, mas sem grandes capacidades para explicar o que foi.

(se soubesses o quanto morro, várias vezes morro, quando me apercebo das conjugações verbais, que aplicadas a nós são sempre num pretérito.)

domingo, 26 de junho de 2011

As paredes caem mais depressa que se erguem

A S. é pequenina e nota-se que lhe pesa o facto. Declara assiduamente que é "maneirinha" e que isso é muito bom enquanto transfigura o olhar para que note que está a ser libidinosa. Notei. Não aprecio a brejeirice mas compenso com um olhar compinchinha que a deixa mais segura. Revela que a maternidade lhe trouxe tudo de bom, que não se nota nada que foi mãe, que já devia ter sido há mais tempo. Não é totalmente verdade que não se note mas sempre ouvi dizer que água benta e presunção cada um toma a que quer. E adiciona-lhe sangria. Muita. Pergunto-me se não estará ainda a amamentar mas remeto-me ao silêncio. Faltará pouco para ser bombardeado com os motivos do pai ausente desde os 6 meses da filha de ambos. Está claramente ferida e numa primeira observação concluo que terá sido traída. É fácil, excesso de confiança, repetição de frases de auto-motivação alternadas com perspectivas masculinas miserabilistas são típicos de traição.
Reduzo o encontro a meio. Não pretendo ser mais uma história contada às amigas num contexto "tenho tanto azar".
Informa-me que está sozinha, a filha nos avós, quando a deixo em casa mas não me curvo sequer para a cumprimentar quando sai do carro. Mantenho as mãos sobre o volante, o braço direito entre mim e ela faz uma espécie de barreira que subentende não poder ultrapassar. Amanhã falará de mim como sendo quase de certeza gay e prefiro assim. Deixo-a sair por cima e feliz por não lhe dar a perceber que tem um longo caminho pela frente. De reconstrução.