quarta-feira, 16 de junho de 2010

Depressa e bem, há pouco quem

Discordo tanto desse senso comum que diz que uma mulher nos 30 ficou para tia. Hoje podemos afinar a bitola para menos dez anos comparando com gerações anteriores, a vida era dura, obrigava a responsabilidades mais cedo, hoje em dia uma mulher com 28, 29 anos corresponde a uma de 18, 19 de há duas décadas atrás, nos sonhos, na maturidade, nos gostos, na entrega.
Claro que estou a generalizar, se me forem permitidas generalizações neste caso.

Círculo vital

Do que mais gostava em ti, do que não esqueço: o teu umbigo. Olhos destreinados dirão que são todos iguais, não eu que o circundava com os dedos para aceder aos teus risinhos impacientes, não eu que nele mergulhava levado pelas promessas do que uma cicatriz de nascença proporciona dentro de si, não eu que lhe tomei o gosto, o retive na memória e lhe prometi que o meu cordão dele nunca havia de ser cortado.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

As verdades no vinho

Teresa. Fui sair com a Teresa. Conheci-a através de alguém que achou que éramos almas gémeas. A Teresa bebe vinho como se fosse água, fez-me reparar que o vinho passou a ser socialmente obrigatório, sobretudo entre as mulheres. No almoço fez pouco da minha escolha, Compal de pêra com uma pedra de gelo, ria-se frenética desde que fiz o pedido até ao empregado o ter pousado à minha frente, continuou a rir-se perante a minha cara de incredulidade e enquanto me desafiava a beber do copo dela. Elaborou teorias a favor do vinho, teorias contra homens que bebem sumo, teorias de benefícios ao coração, à sexualidade, à boa disposição, à memória, às papilas... tinha ali comigo uma pequena enciclopédia falante e chata, profundamente chata. Ninguém lhe explicou que as certezas absolutas se tornam profundamente passíveis de serem contrariadas, mais atractivas até, e lamentei por ela que não saísse daquele registo, do que a fez sorver uma garrafa sózinha e que para o fim lhe pesava as pálpebras e a deixava de cotovelos colados à mesa. Esqueceu-se de enumerar esse efeito do vinho, mas eu apreendi-o por exemplo, bem melhor que por citação.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Nem a cola mais forte pode refazer o que a dada altura se quebrou

Estou de directa, esta noite não dormi. Não seria grave não dormir pudesse abdicar dos pensamentos que me invadem noite fora, se não ficasse horas a olhar para a chávena de leite que perdeu numa noite de tempestade emocional a sua parceira, a que dizia "amor", parti essa e fiquei com a que diz "eterno". Faz sentido, na minha lógica o eterno. Eterno destroçado, eterno apaixonado, eterno amargurado. Se tivesse ficado intacta a outra, já não havia correspondência possível, só se fosse em amor perdido, amor esgotado, amor-zero, antes assim. Estas chávenas comprou-as ela à falta de variedade no meu pequeno armário em que constam copos, canecas e frascos de compota que nunca uso, mas nada que pudesse acompanhar um pequeno-almoço ou um filme a dois. Fiquei feliz quando as juntei e li "amor eterno", ganhei a mania de as arrumar juntinhas como se só assim fizessem sentido, mesmo quando as deixava a escorrer depois de lavadas, permaneciam juntas. Como se ela fosse uma e eu a outra, sempre juntos. Mas veio o dia em que não me entendia, em que as palavras que me saiam da boca eram serpentes atiçadas, em que o coração mirrou e sumiu e acho que uma rocha tomou o seu lugar... nesse dia, a partir do qual soube que seria sempre a perder, entreguei à parede uma das testemunhas de quão doces eram os seus lábios. Quase ia a outra mas o choque perante os cacos foi maior. Ali fiquei imóvel a vê-los e a pensar que nunca mais as minhas chávenas fariam uma expressão juntas, apenas uma palavra solta e desconexa.
Cacos, ficou tudo bem explicado pelos cacos. A minha vida, sobretudo.